domingo, julho 28, 2019

Caminho de Casa



Antes eu me achava tão forte por não me deixar abalar.
Crise existencial? Angústia? Tristeza? Incerteza? Desejo? Nada disso me era permitido.
Apenas uma raiva constante, impaciência com tudo, insatisfação sei-lá-de-quê e uma fome insaciável.
Mal sabia eu que era fome da alma, fome de sentir tudo aquilo que, paradoxalmente, eu engolia.
Descobri-me mutilada, com um corpo terrivelmente ferido que eu não reconhecia como meu. De repente, me dei conta de que alguém lavava essas feridas e, com cada lavada, eu me tornava mais consciente daquele corpo estranho. Esse alguém era eu mesma, já um pouco menos ferida, mas com todas as cicatrizes presentes.
Eu, ela(s) e a água me diziam que agora sim eu podia entender o que era ser forte. Agora sim eu poderia achar o caminho de casa.
Mas esse caminho é meio esquisito. Uma hora faz um sol que arde com toda a força em minha pele. Outra, uma chuva gelada que me congela por inteiro.
Às vezes, há uma subida infinita aos céus. Outras vezes parece que caí de um precipício.
Ao percorrer esse caminho, fico imaginando como é a minha casa. Quando tenho a imagem finalmente clara em minha mente, ela some e volta se refazendo por inteiro.
Embora eu não saiba como é essa casa, sei que já posso chamar de minha. Sei que posso transformá-la sempre que quiser. Sei que talvez eu nunca chegue nela, pois na vida há tanto para ver.
Talvez eu me aconchegue sempre que me cansar e saia quando quiser. E a leve para onde for. O que antes era uma prisão, hoje já é mais como um lar.

Rio de Janeiro, 27 de julho de 2019

quarta-feira, julho 24, 2019

Saudade


Sinto sua falta.
Sinto falta de segurar sua mão, sinto falta do seu abraço, do seu colo.
Sinto falta do seu cheiro. Não só do seu perfume, mas daquele cheiro inexplicavelmente refrescante e doce da sua respiração.
Sinto falta do seu café e de você sempre me oferecer o que tem mais espuma, porque você sabe que a amo.
Sinto falta da sua bagunça e de brigar com você enquanto arrumo tudo.
Sinto falta de conversar sobre nada e sobre tudo.
Que saudade de você cantando “Bumbum Granada”. Sua vitalidade a transforma em poesia, por mais estranho que isso possa parecer.
Que saudade de escolher a programação do final de semana.
Que saudade de uma noite fria com o céu estrelado em Teresópolis.
Que saudade desse abraço que nunca chega...
______
Antes eu te escolhia por ser a coisa lógica: como não escolher um amor tão fácil e leve?
Hoje te escolho de outra forma: quero compartilhar minha viagem em mim mesma com você. Por mais que às vezes não queira sua presença tanto assim.
Quero poder te escolher todos os dias. Cada dia um motivo. Mas o melhor deles é o amor.


~meueuempapel, 24 de julho de 2019

Sou eu comigo mesma mesmo?



Talvez quando eu diga “sou eu comigo mesma” não esteja sendo muito verdadeira.
Talvez o meu eu comigo mesma seja, na verdade, eu com você.
Sou eu me expondo para você o tempo todo, até em pensamento.
Esse desnude constante faz com que eu me sinta incrivelmente vulnerável. Sou eu te mostrando todas as minhas feridas abertas num tom de súplica por seu aconchego.
O aconchego desejado é bem diferente do real. Ele vem através da sua voz doce e serena.
Ainda que às vezes ela oscile num tom mais violento, agradeço o tapa sincero. E ainda assim desejo seu colo.
Que nunca virá.
~meueuempapel, 19 de julho de 2019

A Dança


A música começa. Ah, essa música...
Tomo coragem e vou até você, na esperança de que queira dançar.
Sem trocarmos uma palavra, você me dá a mão e me leva para o meio da pista.
Sem uma só palavra, há a possibilidade de todas elas. E é nessa possibilidade que quero morar.
Nossos corpos se conectam por um magnetismo inexplicável...
São seus olhos... Sua pele... Seu cheiro... Seu cabelo...
Seus lábios não beijados criam esse mistério infinito.
Se por um lado quero solucioná-lo, por outro quero morar nele para sempre. Essa tensão por não saber se a realidade corresponde com a expectativa já é suficiente.
...
Será mesmo suficiente?
Antes que eu possa me decidir, a música acaba, e me vejo sozinha novamente. Na eterna espera do impossível.

~ meueuempapel, 19 de julho de 2019

terça-feira, julho 16, 2019

A Grande Aventura



Olho para o papel em branco e me pergunto:
“O que escrever?”
Estou inundada de sentimentos e sensações, mas não consigo formulá-los. Mas a vontade de sentir a caneta riscar o papel e me ver tomando forma através das palavras me impelem a escrever.
A sensação que tenho é de que estou numa grande aventura. Num lugar de terra batida, sol quente ardendo em minha pele, e eu escavando em busca de um artefato precioso.
Às vezes sou eu comigo mesma explorando essa terra vermelha. Às vezes me vejo cercada de ajudantes, que estão tão empolgados quanto eu.
Às vezes estou tão compelida a encontrar o artefato que cavo sem parar usando a maior pá que consigo carregar. Mas a frustração por não achar nada e o medo de danificar o encoberto com minha avidez me fazem trocar a pá por um pequeno pincel. Varro o chão seco cuidadosamente.
Acho que vi alguma coisa! Sim! Um objeto brilhante!
Com cuidado, escavo ao redor do brilho para retirá-lo da terra vermelha.
É um espelho.
Viro-o para me olhar. Por um segundo, vejo o reflexo de uma Ana cansada, coberta de poeira da terra. Mas o reflexo se transforma em uma pessoa que nunca havia visto. Ou talvez já tenha, mas não me lembro.
E o reflexo continua se transformando em uma série de pessoas (des)conhecidas.
Um misto de familiaridade com o inexplorado.
Quem são essas pessoas?
Sinto que sou elas. Mas elas... não são eu.
Volto a escavar com minha caneta e meu papel, na esperança de achar a palavra mais preciosa: eu.



~ meueuempapel, 16 de julho de 2019

segunda-feira, julho 15, 2019

Andar de Bicicleta



Dizem que não se esquece como andar de bicicleta.
Mas quem já deixou de andar por um tempo sabe como é estranho voltar.
É assim que me sinto com minha tristeza.
Se antes ela era tão presente e depois tão suprimida, estou reaprendendo a senti-la.
“Você precisa aprender a ser feliz”. Existe como aprender a ser triste?

~ meueuempapel, 09 de julho de 2019

A Analista


Dá-me a mão para que eu possa caminhar.
Arriscando-me
No meu pequeno grande universo
Inconsciente.
Eu tento em vão colocar barreiras na esperança que não
Leia meus pensamentos. Mas
Lá vem você com
Essa voz que me indaga e me

Liberta de mim mesma. O que antes era
Insuportável, hoje já é
Mais possível. Essa
Análise tão difícil se faz pela via do amor.

~meueuempapel, 05 e 09 de julho de 2019

Cansei


Cansei.
Cansei de lutar contra mim.
E, embora meu corpo proteste imensamente pela batalha a ser perdida, cansei de lutar contra você.
A verdade é que não existe você. Sou eu contra mim mesma há mais tempo do que posso me dar conta.
Reluto comigo mesma o tempo todo.
Mas essa reluta constante me imobiliza.
A ponto de perder as palavras, tão importantes para mim.
A ponto de me anestesiar diante da minha dor.
A ponto de me afogar sem nem me dar conta.
O desejo pela clínica me salvou de mim mesma.
E a vida ia passando...
Mas agora tudo vem à tona.
E, embora seja quase insuportável lidar com essa angústia, cá estou eu.
Eu, comigo mesma. Chega de batalhas.

~meueuempapel, 09 de julho de 2019

quarta-feira, julho 03, 2019

A Cela

Tive um sonho estranho. Um sonho ruim.
Ah, esses sonhos... Despertam tanto em mim...
Não é fácil tentar achar um sentido para eles.
Não porque não sei o que pensar. Mas sim porque dói.
Tem muita coisa entalada ainda. Muito a dizer.
Muitas vezes me pego a ponto de chorar. Mas não me permito.
Tento compensar a tristeza com a raiva.
Deveria estar só triste, mas não suporto minha tristeza.
Pensando bem, a raiva (também) é de mim mesma.
Como é que cheguei a esse ponto?
O medo de ficar vulnerável, o medo de me expor, o medo de não ser amada...
Tantos medos me fizeram prisioneira de mim mesma.
Vou até mim, abro a cela. Mas não me reconheço.
Talvez depois de um tempo isso seja possível.
É, às vezes eu consigo me enxergar em meu olhar. Vejo por uma fração de segundo todas as Anas ao longo desses 26 anos. Não me sinto exatamente como nenhuma delas, mas ao mesmo tempo me sinto como todas.
Todas são eu. E sou todas elas.

segunda-feira, julho 01, 2019

"Existe mulher que não sofre?"


Que mundo é esse em que vivemos em sofrimento?
Sofremos com nossos corpos que nunca atingem o padrão inalcançável Ou com o rótulo de “exibidas” se gostarmos do que somos.
Sofremos com as conseqüências biológicas de simplesmente sermos mulheres. As malditas dores que nos deixam vulneráveis, mas que não são desculpa para não nos arrumarmos e fingirmos que está tudo bem, quando, na verdade, só queríamos deitar na cama quentinha e esquecer do mundo lá fora.
Sofremos com nosso desejo. Se queremos demais, somos putas. Se queremos de menos, somos frígidas.
Querer uma mulher?
Querer uma mulher e um homem? Pior ainda.
Sofremos pela rivalidade feminina nos ensinada desde o berço.
Sofremos com nosso silêncio. Mas se ousamos falar, “pra que tudo isso?”.
Sofremos com o silêncio dos homens, que no alto de seus privilégios nada fazem por nós.
Sofremos ao sermos mães. E com a busca em ser a mãe perfeita.
A esposa perfeita.
A amante perfeita.
A profissional perfeita.
...
A mulher perfeita.

Nossas feridas são motivo de orgulho, como se, de alguma forma, elas representassem medalhas por nossas vitórias diárias.
Mas as medalhas de verdade nunca vêm. E nunca virão. E eu queria não precisar de medalha alguma.
Somos fortes, porque precisamos ser. Não é bem uma escolha. Ganhar mérito por isso chega a ser um tanto... perverso.

Mas ser mulher tem lá suas vantagens. O enigma abre espaço para moldarmos quem queremos ser. E que delícia poder escolher.

A Minha Verdade

(31/06/2019)

Já faz muito tempo que me calo em pensamento.
Sou inundada pela raiva e mágoa por todas as vezes que me feriram sem saberem.
Um comentário inocente na verdade era um disfarce para o ódio gratuito. E que eu, na minha esperança em ser aceita, engoli em seco todas as vezes. Dizia para mim mesma que era preciso respeitar o pensamento antiquado das gerações passadas.
Hoje, abro a porta e convido-os a se retirarem, pois a minha verdade vale mais.
A verdade é que o colo que desejo é feminino.
O perfume preferido é feminino.
A voz que me acalma é feminina.
O corpo que me aquece é feminino.
Quero poder falar de amor sem censurar o meu desejo.
Quero fazer planos sem ter medo.
Quero suspirar quando penso nela sem podar o meu amor.
Quero fantasiar sem minha auto-reprovação.
Quero terminar esse texto sem culpa.
Culpa por ser diferente.
Culpa por não me encaixar.
Culpa, principalmente, por não conseguir me libertar.
Depois de tanto tempo, ainda dói.